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O meu diário

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A revista Liderança no Feminino pediu-me um testemunho acerca disso mesmo “Liderança no Feminino – Empresárias de sucesso e que marcam, a diferença.” Talvez o meu testemunho tenha sido mais informal do que esperavam. Nem sempre é simples esta partilha, mas só consigo escrever de coração aberto.

O discurso é verdadeiro, mas estafado. Depende das profissões. Depende das mulheres. E depende dos homens. O discurso acentua sempre a dificuldade que as mulheres têm em impor-se num mundo feito à medida dos homens e do enquadramento em que nós, mulheres, decidimos permanecer. Eles dizem que vencemos pelos nossos atributos. Ou que vencemos pela falta deles.

Aí vão as minhas horas do dia. Em síntese. Parece uma coisa banal. Olham para nós, para mim e tiram-nos a pinta pela exposição a que nos sujeitamos.

Levanto-me às seis da manhã. Vou ao ginásio. Publico fotos e vídeos nas redes sociais. Muitos esperam esse primeiro pedaço de mim. O pequeno almoço. Foto. O dia, a partir daí, é sempre a correr. A merenda da manhã. Foto. “E o vosso almoço, partilham?” Foto.

Nova corrida, nova viagem. Alegria no passeio – é importante sorrir e estimular a boa disposição. Foto. Merenda da tarde. Foto. Trabalho na clínica. Foto. Lanche da tarde. Foto. Viagem no carro. Foto. Chegada a casa. Foto. “O que vão jantar? Foto. Pelo meio, viagens entre Porto e Lisboa, dias corridos com Pacientes e as suas ansiedades e angústias. Que me sossegam e me escutam e seguem os conselhos que, como nutricionista, lhes dou. No fim de contas, é tudo a pensar neles. Nos intervalos escrevo o novo livro, cuido dos artigos para o blog, supervisiono as receitas Nutrição com Coração e controlo a edição dos vídeos. E ainda não cheguei ao fim de semana. Fotos. E vídeos. Procuro ser um bom exemplo e estimular para um estilo de vida saudável, para uma vida feliz. Sei que mudo a vida de algumas pessoas, mas não tantas quanto gostaria. Os seus testemunhos, mensagens privadas, cartas e abraços são um incentivo. Imenso! Sei que estou a fazer bem o meu trabalho. Vale a pena dedicar-lhe a grande maioria das minhas horas.

 

Persisto. Olham para nós como coisas banais, com pouco mais para dar do que aquilo que mostramos. É a nossa maior fragilidade, mas também a nossa maior força,  num mundo em que somos catalogadas como boas ou abrunhos. Bonitas ou feias. Burras ou inteligentes. E estes dois epítetos, sempre alinhados com os adjectivos pejorativos. Façam as ligações.

Na verdade, a primeira grande lição da liderança, seja ela no feminino ou no masculino, mas sobretudo quando se escreve no feminino, é não termos medo de sermos quem realmente somos. Não termos medo de seguir o nosso caminho, de estarmos completamente entregues à nossa missão, dando opiniões, partilhando ideias. É por isso que as pessoas nos seguem. Porque acreditam. E como hão-de acreditar se nós não acreditamos?

 

Desde que terminei o curso, em 2004, tenho trabalhado horas e horas, feliz. Enquanto as oportunidades não me preenchiam as horas, fazia voluntariado. Numa altura em que não se dispunha de informação tão facilmente, estudava rótulos nos corredores do super-mercado. Ia para casa e experimentava receitas, procurava novos ingredientes, repetia até chegar a algo que também agradasse o palato. Sinto que sempre lutei – muito – por tudo o que conquistei. No meu caso, tantas vezes tudo se desmoronou mesmo no último passo que me permitiria alcançar um projecto que muito ansiava. Nunca desisti, com força redobrada acabei sempre por lá chegar.

A liderança tem a ver sobretudo com essa capacidade de criar impacto na vida das pessoas. De influenciar o rumo que tomam. Dentro das nossas organizações. Ou fora. E essa capacidade não vem com títulos ou posições hierárquicas. Vem com autenticidade. Sermos autênticos, mesmo quando nos estafamos com os rituais do dia a dia. Mesmo quando nos estafam com a aparente falta de mundo interior que os nossos dias perenes aparentam.

Ser autêntico. Foto. Nos bons momentos e nos maus momentos ser humilde. Foto. Não ter medo de pensar diferente. Nem de expormos apenas uma pequena parte de nós. De nos reservarmos para ajudar os nossos Pacientes.

Ser líder, ser líder mulher, significa muito pouco se não conseguimos fazer com que os outros acreditem na nossa missão. Feita de incompreensões e desapegos. De mundos interiores que fazem de nós aquilo que realmente somos.

Ser líder, fazer com que os outros acreditem, é uma jornada solitária. Sem foto.

 

Vejam tudo, carregando aqui.

O dia correu bem. Levei as minhas marmitas que adoro, em que imperam as cores da fruta e dos legumes, os sabores familiares que me confortam. Não passei horas sem comer – o que, entre consultas, nem sempre é fácil. Consegui resistir à fatia de bolo com que me tentaram… Ouvi as minhas meninas da clínica falarem de doces – a minha tão antiga perdição! –, mas desviei a atenção para a consulta seguinte. Quando estou em consultas, todo o mundo lá fora e até o meu próprio deixam de existir.

Tudo certo. Tudo controlado. Tudo a correr – muito – bem. 

Só tive mulheres nas consultas desse dia, umas com tpm (tensão pré-menstrual), outras sofrendo de maior ansiedade, outras tristes e outras querendo celebrar a alegria. Admiro as Mulheres, somos feitas do tecido da sensibilidade e fragilidade, mas temos força de leoas! – Todas foram ter comigo com a preocupação de uma maior disciplina alimentar. Todas, nessa tarde, com tendência a doces, especialmente a chocolate. Acho graça a conhecer pessoas tão loucas por chocolate quanto eu… Lê-se o desejo no olhar, quando falam sobre ele e a felicidade quando eu, por fim, as descanso: “não terá que abdicar para sempre, vamos antes limitar a uma vez por semana, combinado?” Entre descrições e confissões, a minha capacidade de resistência é posta à prova vezes sem conta. Às vezes resisto a ir ao café ao lado convencendo-me de que à noite, já em casa, me permitirei uma extravagância; outras, confesso, peço às minhas meninas para me irem buscar uma pequena barra de chocolate negro, como se fosse para elas, que divido antes que a devore. Gosto de ter na mala aquelas tortilhas de milho com fio de chocolate negro que são quase perfeitas para acalmar o desejo do doce por o associarem a uma textura crocante. Mas nem sempre corre bem, são boas demais, há dias em que, se mexo na mala e sinto o barulhinho do plástico da embalagem, não consigo deixar de o ouvir até comer uma. E outra, já agora, não vá ficar perdida e ainda me suja a carteira. O pacote traz duas, ou partilhamos ou comemos ambas. 

A última Paciente chegou um pouco mais tarde do que era suposto. Vinha tão apressada quanto faladora. Conversámos muito e acabou descrevendo o quanto lhe ia custar não comer o seu bolo de chocolate. “Calha-me mesmo bem, é fofo e na boca provoca uma explosão de chocolate. Foi assim, tal e qual, “uma explosão de chocolate”, que se grudou à minha cabeça. Que vontade de lhe sentir o gosto!

Ufa! Chegou a hora de ir para casa. A senhora insistiu em me deixar a receita, que delicadamente guardei na gaveta da secretária. 

A caminho de casa, a pé, fui aproveitando os últimos raios do sol já muito envergonhado e desisti daquele pensamento doce.

Cheguei a casa, aproveitei a varanda e depois preparei o jantar: salada de salmão com quark, estava deliciosa! Penteei os gatos. Li. Pousei o livro e ouvi o telejornal. Voltei ao livro. “O chocolate.” “Não, o livro.” “O chocolate.”

Levantei-me do sofá, arranjei tudo para me deitar, lavei os dentes para garantir que o assunto ficava tratado e espreguicei-me naquele primeiro momento em que senti o corpo deitado, desfazendo-se da tensão da posição vertical. Senti a cabeça na almofada, deixei o silêncio embalar-me e… “Chocolate.” É incrível como a mente pode ter uma voz tão ensurdecedora.” Sentei-me na cama: “Ana, como nutricionista, o que aconselharias a ti mesma?” “Come um ou dois quadrados. Já o podias ter feito e não adiavas para este momento em que chega a parecer uma fraqueza.” Levantei-me e comi. Dois quadrados. Voltei a lavar os dentes e adormeci em segundos.

 

Quando temos um desejo alimentar, quando não nos sai da cabeça, mais vale permitirmo-nos saboreá-lo, com o cuidado de limitar a quantidade. Parar, comer calmamente, sem outra distracção que não a do sabor que ansiávamos. Há dias em que tentar resistir não é o melhor caminho, parece que a comida – neste caso o produto alimentar – grita na nossa cabeça e ecoa hora após hora. Muitas vezes procuramos outros alimentos ou produtos alimentares para tirar aquele da cabeça, mas tantas delas é até pior a emenda do que o soneto. Não lhe aconteceu já ter vontade de comer uma Oreo e andar a petiscar fruta, oleaginosos e a picar bolachas Maria para a evitar? Mas nada lhe enche as medidas, “não era bem isto”… Quando se apercebe, já ingeriu mais calorias do que se tivesse ido directa ao objecto do seu desejo e teria afastado esse fantasma do seu dia.

O que digo é, com bom senso, devemos gerir os nossos desejos alimentares. “Nem sempre nem nunca” e no momento certo é o ideal. Pouca quantidade, mas saboreada como se fosse a maior das refeições. Depois, voltemos ao nosso dia, à disciplina alimentar. 

Sem obsessões e dificuldades de maior, o caminho é simples e a educação alimentar torna-se uma verdadeira filosofia de vida.