No início de 2024 foi publicado no British Medical Journal um artigo de revisão científica abrangente em que se concluiu que há associação entre o consumo de alimentos ultraprocessdos e o risco de mortalidade e de desenvolver diversos tipos de doença.
Como sabem, gosto de desmontar as questões para garantir que ficam bem claras. Uma revisão abrangente, como a deste estudo, compila evidências de múltiplas revisões já existentes e constitui por isso um dos mais altos níveis de evidência científica. Permitindo uma fácil comparação entre outras revisões individuais, uma revisão abrangente consegue abordar as questões de uma forma mais ampla, o que pode ser útil para comparar intervenções e desenvolver orientações. Nesta revisão compreensiva foram incluídos estudos observacionais em que se relacionou a exposição (ingestão) a alimentos ultraprocessados e o risco de sofrer efeitos adversos de saúde e foram avaliados quase 10 milhões de pessoas (quando somados todos os participantes de todos os estudos).
Acerca dos alimentos ultraprocessados, de que alimentos estamos a falar afinal? Este termo refere-se a uma ampla gama de produtos prontos a consumir, incluindo aperitivos embalados, refrigerantes com ou sem gás, massas instantâneas, bolachas e biscoitos, batatas fritas e refeições pré cozinhadas. Estes produtos são caracterizados por serem formulações industriais compostas principalmente de substâncias quimicamente modificadas, extraídas de alimentos, juntamente com aditivos para melhorar o sabor, a textura, a aparência e a durabilidade, com a inclusão de pouco ou nada de alimentos inteiros naturais. Algumas características destes alimentos incluem alterações nas originais matrizes alimentares e texturas, potenciais contaminantes de materiais de embalagens e processamento, bem como perfis nutricionais pobres (redução de vitaminas, minerais e fibra e alto teor de calorias, açúcares, sal e gorduras saturadas).
São cada vez mais os estudos que relacionam o consumo destes produtos com a saúde humana. Tal relaciona-se com o facto da disponibilidade destes produtos ter crescido significativamente na última década e terem um peso crescente na alimentação em Portugal e de uma forma geral por todo o mundo. Não se sabe bem quais são os mecanismos através dos quais estes produtos afetam o funcionamento do organismo, mas pensa-se que estarão relacionados com processos inflamatórios e com alterações na microbiota intestinal.
Que resultados encontraram neste estudo? Encontrou-se que a ingestão de alimentos ultraprocessados (consumidores vs. não consumidores, ou alto consumo vs. baixo consumo) aumenta 21% o risco de mortalidade geral e 50% o risco de mortalidade por causas cardiovasculares, não estando relacionado com o risco de mortalidade por cancro; e aumenta 12% o risco de ter cancro, entre 22 e 53% o risco de ter doenças psicológicas (ansiedade, depressão), 40% o risco de ter diabetes tipo 2, 55% o risco de ter obesidade e 23% o risco de ficar com o fígado gordo. Alguns dos estudos analisados encontraram um efeito dose-resposta, o que significa que o efeito está dependente da dose ingerida, ou seja, por cada 10% a mais de ingestão de alimentos ultraprocessados, ou por cada porção diária adicional, que efeito tem na mortalidade e na doença? O risco de ter cancro colorretal e doença cardiovascular aumenta 4%, enquanto o efeito mais evidente se traduz no risco de ter diabetes tipo 2: 12%.
Antes de tirar conclusões acerca do que estes resultados de certa forma confirmam, convém referir também que este estudo tem limitações e a primeira de todas é ser baseado em estudos observacionais. Isto significa que não se consegue estabelecer uma relação causal forte. No entanto fornece, através dos estudos que acompanham os participantes ao longo de vários anos, sólidas evidências de associação entre comida processada e as doenças. Mas não para todos os produtos processados: por exemplo as sobremesas lácteas, derivados de fruta, cereais de pequeno-almoço e alguns snacks não estão relacionados com a mortalidade ou a doença.
Os resultados adversos para a saúde, associados a estes alimentos, podem não ser totalmente explicados pela sua composição nutricional (ou falta de nutrientes) e densidade energética, mas também pelo facto de surgirem na rotina diária alimentar em alternativa aos alimentos naturais e ricos em nutrientes importantes, bem como pela alteração nas propriedades físicas e químicas dos alimentos e nos materiais de processamento e embalamento.
A relação entre a ingestão destes produtos é complexa e heterogénea, sendo que nem todos influenciam a saúde da mesma maneira. No entanto, considero que em vez de manter a ingestão daqueles que potencialmente até nem fazem mal, o melhor será sempre optar por alimentos naturais ou os menos processados possível.

Imagem retirada de Brazil Jornal

 

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Nutricionista: amante do tipo de cozinha que procura aliar saúde aos melhores sabores; Mulher: apaixonada pela verdadeira beleza das coisas mais simples; Objectivo: ser feliz na medida do possível, gostar de mim todos os dias e ajudar quem me segue, nesse mesmo caminho.

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