No passado mês de Junho celebrou-se o mês da saúde digestiva. O Serviço Nacional de Saúde, em colaboração com a Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, partilhou uma campanha informativa que mostra que a saúde digestiva é influenciada pela qualidade do sono.
Sabiam?
Vou explicar:
Vamos por partes. Certamente já me ouviram dizer que o nosso cérebro e o nosso intestino estão em constante comunicação, certo? Esta comunicação, o eixo intestino-cérebro, faz-se em ambos os sentidos, ou seja, o intestino influencia o funcionamento do sistema nervoso central, e o cérebro influencia o funcionamento intestinal. Não só os nervos mas também as nossas hormonas e o nosso sistema imunitário são responsáveis por estas influências, articulando a componente cognitiva e emocional do ser humano ao funcionamento (e composição da microbiota) intestinal.
Não será de estranhar então que o nosso momento de repouso nocturno, em que o organismo faz um reset às suas funções, incluindo as cerebrais e metabólicas, influencie aquilo que irá ser o nosso dia seguinte. Mas como?
Na sociedade moderna, devido aos efeitos negativos dos padrões de trabalho e do tempo em frente aos ecrãs, tem aumentado a prevalência das perturbações de sono e das alterações do ritmo circadiano. Não é fácil identificar e explicar os factores que controlam o nosso sono, mas vários estudos recentes têm associado estes distúrbios de sono a efeitos nocivos para a saúde. Para além do papel desempenhado pelo próprio sistema nervoso central, parece que sinais dos tecidos periféricos, nomeadamente provenientes do intestino (e da sua microbiota), através do eixo intestino-cérebro, influenciam a qualidade do sono. A composição da dieta, a alteração da microbiota e o padrão de refeições influenciam os genes relacionados com os ciclos intestinais e, por sua vez, com os genes do ritmo circadiano. A toma de probióticos (Bifidobacteria e Lactobacillae) parece melhorar a qualidade do sono, especialmente a indução do sono, e aliviar sinais subclínicos de ansiedade e depressão. Além disso, parece que os distúrbios de sono influenciam as bactérias intestinais, resultando numa barreira imunitária intestinal disfuncional e no desenvolvimento de doenças intestinais. É absolutamente necessário ter em consideração que estas associações de que falo, encontradas nestes estudos, são influenciadas pela complexidade dos estilos de vida e do meio ambiente e a idade, o que faz com que a relação causa-efeito entre todos aspectos mencionados seja difícil de provar.
Um complexo estudo genético publicado em 2023 conseguiu encontrar relações causais entre várias espécies bacterianas e traços característicos do sono (sonolência diurna, insónia, duração do sono, etc.) bem como compreender que as próprias espécies se relacionam entre si e potenciam o efeito umas das outras. Parece então que o mecanismo subjacente a este efeito se prende com a produção de substâncias como o butirato e o acetato (ácidos gordos pequenos), que influenciam a expressão dos genes responsáveis pelo relógio biológico. Para além disto, a produção de butirato traz efeitos anti-inflamatórios, capazes de minimizar a inflamação associada à doença intestinal e hepática.
O sono é o momento reparador do nosso dia. Uma perturbação desse momento traz consequências negativas para a integridade da barreira intestinal, aumentando a sua permeabilidade, e, por isso, a alteração da composição da microbiota e a produção de substâncias benéficas para o organismo, pelas mesmas.
A promoção de um estilo de vida saudável, que inclua uma alimentação completa, variada e equilibrada, com boas rotinas de refeições, privilegiando as matutinas e vespertinas e limitando as noturnas, é fundamental para a manutenção de uma boa saúde intestinal e para a qualidade do sono.