Quem tem crianças a seu cargo sabe bem como é… Um alimento que um dia é tão valorizado, no seguinte já pode tornar-se na pior coisa do mundo e arredores!

De onde vêm os nossos gostos e preferências alimentares? As primeiras teorias apontam para uma razão pré-histórica, que refere que tudo o que tinha um sabor amargo estava associado a substâncias tóxicas e que, portanto, seriam de evitar.

Essa ideia perpetuou-se durante milénios, pelo que é perfeitamente possível que, sendo o homo sapiens uma espécie relativamente recente, esta associação inconsciente ainda seja feita. Outra abordagem possível tem a ver com a sensibilidade ao sabor amargo. Geneticamente,nem todos reagimos da mesma forma ao amargo: tal prende-se com a presença de um gene que codifica a reação do organismo à deteção desse sabor. Aqui se incluem os grupos de ‘insensíveis’ (non-tasters), ‘hipersensíveis’ (supertasters) e todos os outros (‘medium tasters’). O motivo destas diferenças ainda é desconhecido, mas começa a denotar-se um padrão que vai para além do sabor amargo e que está também relacionado com o doce, as bebidas alcoólicas e até o tabaco. Os hipersensíveis têm tendência para rejeitar estes dois últimos e preferir o primeiro em detrimento do amargo. A probabilidade de terem uma alimentação menos saudável e maior risco de doença é maior.

De notar, no entanto, que a reação do organismo a estes sentidos é bastante complexa e depende de inúmeros fatores. O primeiro e mais importante relaciona-se com a exposição repetida ao mesmo. Foi já bem estudado e é conhecido que, quando exposto a um estímulo vezes suficientes, a aceitabilidade aumenta. Isto vem reforçar a ideia de que a alimentação durante a gravidez marca o primeiro ponto de exposição da criança aos sabores e aromas. A oferta alimentar variada e completa de sabores e aromas nos primeiros 18 meses de vida é o segundo grande momento de exposição em que o treino começa.

A partir dos 2 anos de vida, a predisposição individual para testar novos sabores ou recuperar aqueles que foram rejeitados vai desaparecendo e só volta a aparecer com força suficiente na idade adulta. O segundo fator prende-se com os variados aspetos de vida que se relacionam com o ato alimentar. Parece estranho pensar que a insistência para a importância do consumo de sopa e hortícolas particularmente quando uma criança está doente seja a causa de rejeição desses mesmos alimentos daí para a frente. A verdade é que a associação entre estar doente e ingerir esses alimentos ficou gravada na memória. O estar feliz ou triste, a relação (errada!) entre sucesso escolar e recompensas alimentares, entre muitos outros tipos de reações que as crianças têm à sua disposição para manifestar os seus sentimentos e intenções são tudo fatores que contribuem para o afastamento de determinados alimentos em preferência de outros.

Por fim, resta lembrar um terceiro aspeto importante: a introdução dos sabores nos primeiros anos de vida. Quanto mais precoce (e frequente!) for o contacto com o sabor doce e o salgado, mais provável é a rejeição do amargo. Daí que se recomende que à alimentação infantil não seja adicionado sal antes dos 3 anos e que o contacto com produtos açucarados seja também atrasado para depois desta idade. Ainda, o maior enfoque sobre a sopa e os hortícolas e menor oferta de papas, bolachas e afins, também contribui para esta preferência.

Em resumo: (1) tente sempre separar os acontecimentos de vida dos hábitos alimentares, mantendo uma rotina estável (as crianças agradecem esta segurança!); (2) comece desde o nascimento (e gravidez) com o treino de sabores, atrasando o mais possível o doce e o salgado; (3) mantenha este treino/educação do paladar ao longo da vida, pois ninguém sabe se é ‘non-taster’ ou ‘supertaster’, pelo que pode demorar muito tempo até se gostar de (quase) todos os alimentos nutritivos e por isso pertinentes para a nossa saúde.

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Nutricionista: amante do tipo de cozinha que procura aliar saúde aos melhores sabores; Mulher: apaixonada pela verdadeira beleza das coisas mais simples; Objectivo: ser feliz na medida do possível, gostar de mim todos os dias e ajudar quem me segue, nesse mesmo caminho.

1 Comment

  1. Sei bem o que é essa luta. O meu filho tem 7 anos. Dava gosto vê-lo comer até aos 3. Desde que entrou para o infantário, sempre almoçou lá, começou a rejeitar a maior parte dos alimentos 🙁 ainda hoje é o dia que diz que a comida em casa é melhor que na escola, mas mesmo assim é um processo demorado novamente a introdução dos legumes no prato principal. Mas não desisto 🙂

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