É chegada a hora de falar um pouco sobre a dieta alcalina, alegadamente seguida por muitos famosos e que surgiu há cerca de 3 anos através da publicação de um livro. Baseia-se no conceito de que os alimentos provocam alterações no pH do corpo humano e dessa forma podem contribuir para a melhoria ou deterioração da saúde. E como é que tal acontece? Através de que mecanismos?

Comecemos então por dissecar os conceitos base. O pH é uma medida da acidez/alcalinidade de substâncias, que é calculado apenas através da concentração de hidrogénio (H+) e o seu par, hidróxido (OH-). No ser humano a acidez/alcalinidade são afectadas não só por estas substâncias, mas também pelo conteúdo dos alimentos em proteínas, sulfatos, fosfatos, potássio, magnésio, sódio, cloro e cálcio. Chama-se a isto PRAL: Potential Renal Acid Load (“potencial de carga ácida renal”). Ou seja, a capacidade de alterar o pH do meio em que estão inseridos não depende apenas da sua própria acidez/alcalinidade, mas também do seu conteúdo nestes outros nutrientes. É expectável que, com o avançar da idade, ou com a insistência em determinados comportamentos alimentares, a capacidade do rim de controlar o metabolismo e a excreção destes metabolitos possa vir a estar condicionada e aí sim deva ser controlado o teor de PRAL de uma dieta (e não o pH!).

Através deste PRAL pode então concluir-se que a generalidade das frutas e hortícolas e também das águas minerais (incluindo a da torneira) têm um “potencial alcalino”, enquanto os produtos de origem animal (carne e derivados, lacticínios, pescado e ovos), açúcar e alimentos açucarados, bebidas alcoólicas, café e chá, leguminosas, frutos gordos e sementes, cereais e derivados (excepto quinoa, batata e batata-doce) têm um “potencial ácido”.

Ora, toda a evidência científica aponta para que um investimento acentuado no consumo de hortofrutícolas está associado a inúmeros benefícios para a saúde, mas também para o facto de que o consumo moderado de carnes magras, peixes gordos, leguminosas e cereais integrais devam ser integrados numa alimentação equilibrada e saudável. A chamada “dieta do pH” surge então apenas como mais uma forma de dizer o mesmo que já se tem vindo a dizer, mas talvez com uma capacidade de marketing reforçada.

As principais consequências da deterioração da função renal prendem-se com a saúde óssea e muscular, o que vem reforçar a ideia de que a exclusão de alimentos proteicos (carnes, pescado, ovos e laticínios) não seja de todo aconselhada, mas sim a moderação da sua ingestão. Ou melhor, a ingestão destes alimentos nas quantidades indicadas como saudáveis (cerca de 100g ao almoço e ao jantar, dando preferência às variantes magras e não processadas, excepto os peixes gordos, como a cavala, sardinha, atum, salmão e arenque), contrabalançado com um consumo adequado de legumes, hortaliças e frutas.

Abordemos agora a questão da perda de peso. Ora, rejeitando todos os alimentos processados, açucarados, reduzindo a ingestão de fontes proteicas para cerca de um terço, reforçando a ingestão de hortofrutícolas, limitando o consumo de cereais e derivados (que tão frequentemente já foram “censurados”, tais como o pão, pelo seu conteúdo em glúten ou por terem muitas calorias), não bebendo qualquer outra bebida à excepção de água e talvez um copo de vinho tinto ou branco, parece que estão reunidos todos os motivos para uma perda de peso efectiva.

Não há evidência científica que suporte quaisquer outras alegações ligadas ao pH ou PRAL, para além das que referi. Em suma, os princípios associados a esta dieta passam por uma forma de transmitir as mesmas mensagens de alimentação equilibrada e saudável, mas dando-lhe uma “capa” diferente. No fundo, vem reforçar mais uma vez que um dos problemas das dietas ocidentais modernas está no equilíbrio de ingestão entre os grupos alimentares. Devemos pensar nos alimentos no seu todo, na sua riqueza e variedade nutricional e não somente – neste caso – no seu potencial ácido/alcalino.

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Nutricionista: amante do tipo de cozinha que procura aliar saúde aos melhores sabores; Mulher: apaixonada pela verdadeira beleza das coisas mais simples; Objectivo: ser feliz na medida do possível, gostar de mim todos os dias e ajudar quem me segue, nesse mesmo caminho.

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