Há quase 2 anos (Maio 2015) saiu uma notícia sobre um estudo da Universidade do Porto (o primeiro trabalho publicado sobre crianças portuguesas), que revelava que cerca de 93% das crianças portuguesas entre os 8 e 10 anos consumia sal acima das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) (5g/dia) e um quarto das crianças consumia quase o triplo destas doses diárias recomendadas!

Cerca de um ano depois (Março 2016), num relatório da Direcção Geral de Saúde (DGS), novos dados chegavam sobre o consumo de sal e a estimativa não era muito mais animadora: mais de 70% das crianças de 7 aos 9 anos e mais de 80% dos adolescentes entre os 13 e os 17 anos consumiam sal acima das recomendações da OMS.

Curiosamente, o consumo global de sal na população portuguesa até tem vindo a melhorar – ou seja, a diminuir -, segundo os dados que existem desde 2006!

Mas então, onde está a melhoria?

A melhoria está nos adultos! Novos dados que vieram a público esta semana, antes do Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, revelam que 60% das crianças entre os 10 e os 15 anos consomem mais sal do que os próprios pais; pais estes que também já consomem acima das recomendações da OMS! Aliás, este novo estudo mostra que estas crianças já consumiam sal a mais do que os pais entre 2010 e 2013 e que tal situação se veio a agravar nos últimos anos, apesar das iniciativas que têm vindo a ser implementadas no sentido de a reverter.

Afinal, onde – ou como – estão as crianças a consumir sal? Porque é que as medidas implementadas não estão a ter impacto nas crianças, mas conseguem ter algum impacto nos adultos? É uma teia difícil de desmontar, mas uma coisa é certa: há trabalho para umas boas décadas! Senão, vejamos:

(1) os hábitos alimentares das crianças são moldados desde a primeira infância;

(2) a aprendizagem do sabor salgado é feita nesta primeira infância, aquando da introdução da criança na alimentação do resto da família;

(3) “inicialmente estranha-se, depois entranha-se”;

(4) a família faz uma alimentação, por tradição cultural, maioritariamente salgada, e os casos de hipertensão e doença cardiovascular aumentam em Portugal, mas isso ainda não fez mudar significativamente o consumo de sal nas famílias e optar mais por outros temperos;

(5) em determinadas zonas do país, o consumo habitual de enchidos e fumeiro começa muito cedo;

(6) (quase) todos os produtos alimentares processados hoje em dia têm sal, daí que o seu consumo esteja mascarado – nem se dá por ele;

(7) cada vez há menos tempo/sabedoria/vontade/disponibilidade para cozinhar, pelo que cada vez mais se recorre a produtos alimentares pré-preparados e/ou pré-cozinhados, ou seja, com maior conteúdo de sal;

(8) a indústria panificadora comprometeu-se a reduzir o conteúdo de sal do pão (e cumpriu!) mas… As crianças comem menos pão hoje em dia, porque nos seus pequenos-almoços, lanches e merendas comem mais cereais, bolos, bolachas e biscoitos e outros produtos embalados, todos eles com sal camuflado;

(9) o consumo de produtos hortícolas e fruta (ricos em potássio) nas crianças ainda está relativamente longe do ideal, não chegando por isso para compensar os efeitos negativos do excesso de sal;

Consegue-se, assim, perceber que é preciso ensinar alguns conhecimentos, alterar determinadas atitudes e moldar comportamentos. A tradição, a cultura e o ambiente definem-nos; mudá-los demora muito tempo! Mas, nesse entretanto, a indústria alimentar evolui, adapta-se mais rapidamente a nós do que nós temos capacidade para nos adaptarmos a ela e, quando damos conta, já temos novos hábitos! A publicidade e o marketing são cada vez mais poderosos, os meios tecnológicos invadem-nos e conquistam sem nos apercebermos e só com muita atenção podemos contrariar novas tendências, modas e maus hábitos ou rotinas que possam descompensar a nossa saúde.

Assim, o conselho fica, para que se façam escolhas alimentares mais informadas, se leiam os rótulos para evitar “sal” ou “sódio”. Lembre-se que o máximo são 5g por dia!

Evite apressar a alimentação do dia-a-dia, principalmente no que toca a infantil, as crianças precisam de alimentos ricos em nutrientes para que se desenvolvam no seu máximo potencial! Planeie o dia seguinte, planifique a semana se for preciso: água, fruta e sopa não são “manias” dos nutricionistas…

Author

Nutricionista: amante do tipo de cozinha que procura aliar saúde aos melhores sabores; Mulher: apaixonada pela verdadeira beleza das coisas mais simples; Objectivo: ser feliz na medida do possível, gostar de mim todos os dias e ajudar quem me segue, nesse mesmo caminho.

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